terça-feira, 27 de junho de 2017

Para a mulher do homem que me machucou

Eu penso em você quando percebo que alguma coisa em mim ainda dói. Quando vejo as marcas desse relacionamento como se alguém tivesse colocando meu corpo num raio x e por lá visse uma ferida aberta, pulsante.

Ainda não é indiferença porque existe saudade, até porque acredite, o que eu queria mesmo era ter memória boa, aqueles flashes de relacionamento bonito que a gente guarda muito tempo depois. Eu queria guardar afeto, mas eu guardo trauma, e essas coisas demoram muito para sair da nossa corrente sanguínea.

Eu te vejo e você é bonita, e te percebo forte, inteira, cheia de personalidade e imagino você como eu, cercada de amigos maravilhosos, apreço por músicas boas, desejo por viagens que mudam a vida e projetos que dão um norte. Ele não é bobo, ele não se apaixonaria por alguém diferente e você é coisa a beça.

Por isso mesmo quando eu te vejo, desejo que você seja feliz, que ele te louve, e que eu tenha sido um lapso, um comportamento abusivo momentâneo, algo que não vai mais se repetir muito embora eu aprenda com as minhas irmãs que quem é assim, é pra sempre, e repete padrão e passa o abuso adiante até que de abuso ele se torne abismo entre você e alguém que você possa amar depois dele.

Pois depois de ter construído degraus que me levassem a um novo amor eu tenho deixado pelo caminho a forma com que eu me olhava, a forma com que ele me fez acreditar que eu era: incapaz, fora do padrão. E demorou tempo para eu reconstruir minha autoestima estilhaçada e aprender a confiar que o amor pode ser bom, pode ser leve e pode ser da forma que eu quiser.

(até que um dia ele foi, e foi maior até do que o meu medo.)

Hoje, já de pé, torço para que sejamos duas: fortes, resistentes, inteiras, nos amando e sendo vistas como o presente que somos.

Eu te vejo e desejo que você seja feliz e se você não for, que dure menos no abismo do que eu. Que saia do buraco escalando com mãos fortes, que seja capaz de amar novamente, que se enxergue de forma generosa e que não aceite menos do que tudo. E que seu peito talhado não te traga traumas e nem dor, que seja só um lembrete para todas que vierem depois de você, de nós.

quarta-feira, 7 de junho de 2017

Piada interna

Um relacionamento é a maior piada interna que você pode ter com alguém. Um relacionamento é uma marca, uma cicatriz, às vezes uma tatuagem que você faz com 16 anos em São Tomé das Letras (aquela fada tocando flauta sentada em um cogumelo, aquela tribal, as estrelinhas) você pode não querer lembrar, mas ela está ali forjada a ferro no seu corpo.
Como passar impune ao encontrar alguém com quem você já viveu uma história? Você pode desviar o olhar, mas você sabe, e ele também, que naquele domingo ele lavou a roupa e você fez o almoço, e na segunda vocês pagaram as contas, e na quinta vocês treparam no sofá, e no sábado tiveram aquela briga, e ao longo dos anos vocês tiveram viagens, gripes, cirurgias, natal com a família, discussões, mais contas, mais sexo, mais amor, até que num apagar de luzes esse amor acaba. Corte seco.
Tudo isso passa pela sua cabeça no momento em que você esbarra com o seu ex objeto de desejo. O mesmo “oi” com que você cumprimenta alguém que trabalha no prédio do seu escritório, aquele abraço partido com distância segura, toda a burocracia do fim.
Um relacionamento é a maior piada interna que você tem com alguém, e não importa qual dos dois saiu mais machucado – não é uma competição – só você e ele sabem exatamente que gosto tem este fim. 
Só você e ele conhecem esta história como ela realmente foi, mesmo que um dos dois queira esquecer, a cicatriz está ali, o trauma que aparece na imagem de um raio x, na tatuagem dos 16 anos em São Tomé das Letras, a piada interna que volta em um dia qualquer, um lapso de memória que te faz rir, mesmo tantos anos depois, lembrando da vida passada que aquele amor teve e do quanto você é construído por ele.
Sim, por ele também.