terça-feira, 7 de novembro de 2017

O bolo

Eu tento fazer um bolo vegano de presente para uma amiga enquanto alongo minhas costas para me livrar de uma dor crônica que é culpa de uma cabeça que não para de pensar.
Eu não prego quadros, não dobro as roupas quando elas vem da lavanderia, eu não sou boa em guardar amores em caixas e definitivamente não faço bolos. Isso sou eu tentando dar sentido a um monte de coisas que me sobra, tentando aplacar angústias e desejos com farinha de aveia e mensagens de texto que nunca serão entregues.
Eu domino poucas coisas, mas sempre fui boa na arte de girar pratinhos, todos eles estão aqui enquanto ou eu vejo o mundo acabar na minha frente sentada comendo pipoca, ou fico em pé segurando uma mangueira de incêndio. 
(Hoje espero o mundo acabar e também espero o cheiro de banana com canela se alastrar pela casa.)
Tenho tentado melhorar.
Perdoei (praticamente) todas as pessoas que me fizeram mal, remendei meu coração com agulhas de crochê e cola quente, tenho rezado para os meus santos, me alongado e tomado florais.
Eu tenho deixado o café de lado, feito pilates para tentar remediar a dor crônica nas costas, mandado e-mail com explicações para os atrasos de trabalhos acumulados, me matriculei na natação, tirei os aplicativos de redes sociais do meu celular, escrevo o romance novo todo dia de manhã e agora até cozinho.

(Tudo isso na tentativa de me adaptar para não sentir mais vontade de te comer ou sentar na sua cara porque sei que você faz mais mal do que o bolo com lactose.)

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Lista

Escrever é a regulagem da minha cabeça. 
Eu ainda estou esperando um terapeuta holístico que mude minha vida, como as pessoas dizem.
Caminho entre luz e sombra e a vantagem de já ter ido muitas vezes para a sombra é aprender a jogar migalhas de pão pelo caminho como João e Maria, sabendo como voltar pra si. Com o tempo esse retorno se torna mais rápido.
Meditar às vezes faz bem, às vezes não.
Já fiquei (bastante) de coração partido, e quando achei que estava impune ao sadismo e ao ego dos meus amores a vida foi lá e jogou na minha cara a imperfeição dos homens que teimo em achar que conheço. A imperfeição dos homens que mentem. 
(Se muitas mulheres te dizem que o cara é tóxico, ele é. Não se muda alguém que tem falha de caráter)
Sexo, natureza, caminhada e jantares resolvem quase todas as vezes, mas comer mal tem um limite. E eu tô falando de carboidrato vazio, conservante e gente tóxica.
Guardar dinheiro foi a lição mais importante que me ensinaram depois de dizer por favor e obrigada (Embora só a parte do por favor e obrigada eu faça de verdade)
Com o tempo descobri que no amor alguém que sempre volta para você é tão importante quanto aquele que fica.
O que eu quero mesmo nessa vida é cabeça boa, as músicas certas e dinheiro pra pagar viagens.
Amigos e família são sim a coisa mais importante do mundo.
Trabalhar sem fazer o que se ama - mesmo que na paralela - é tomar veneno lento.
É preciso aprender a quebrar padrão, não importa quantas vezes você tente, porque insistir em algo que você sabe que te faz mal, ou que vai te deixar mal, é desculpa de sádico. (Também estamos trabalhando com afinco nessa aí)
 Não é só Gilberto Braga que cria excelentes vilões, gente má existe de verdade.
 Não deixe ninguém te quebrar e não deixe ninguém te amar seletivamente sendo cego para quem você é de verdade.
Bonito é quem te enxerga e escolhe andar junto. 
Festa boa é a que você canta e dança ao mesmo tempo.
(Depois dos 30 você realmente olha para as pessoas pensando: na minha época a gente ia pra Casa da Matriz.)
Casar e ter filhos deve ser legal, mas tudo bem se não for o objetivo da sua vida. É ok se você não tiver um grande objetivo também. 
Escrever dá sentido, melhora quase tudo, e o leitor cura. É alguém que te pega pela mão e valida o buraco, o amor ou a agonia, e por isso te faz companhia no mundo.
Publicar livro não é o que te faz escritor. Não conseguir fazer outra coisa além de escrever é.
(Mas lançamento de livro é melhor que aniversário) 

Tomar banho de cachoeira é necessário, revisar essa lista com frequência também.

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

A selva da minha natureza humana

Apenas um lado da cama está desfeito, a prova real de que você não está aqui. A cama deste jeito é uma metáfora bonita desta relação. Essa minha arte de dormir na diagonal, arremessar travesseiros em ataques de sonambulismos e, ainda assim, acordar com o seu lado da cama imaculado. Prova do meu mal dormir e do espaço que eu guardo para você. 
Eu não te amo o tempo todo, mas te amo todos os dias. Minha percepção sobre você é esse amor que é planeta, embora eu não deixe de ver as paixões que são satélite - todas orbitam ao seu redor -  enquanto eu sou saturno: um anel circulando uma barriga um pouco acima do peso e a seriedade dos que nascem velhos com um signo de terra.
Eu sinto sua falta ao mesmo tempo em que jogo charme para o mundo. Combino cafés, almoços, drinks e cinemas para preencher os dias que eram ocupados por nós. Sua ausência traz excesso de mim.
Escrevo "saudades" para você e para outros, e absolutamente nenhum deles me faz te amar menos. 
Tenho medo de quase tudo, tesão por muita gente, vontade de casar de papel passado, vontade de ficar solteira, vontade de não ir trabalhar para te encontrar do outro lado do mundo, uma urgência em ser a melhor profissional que eu posso. Eu tenho questões, angústias, maluquicezinhas, crises, desejo descabido e os sentimentos mais diversos e incongruentes não param de crescer na selva dessa minha natureza humana.
Eu sou muitas, eu quero você e todo mundo, mas enquanto eu ligar o som e colocar dois pratos para jantar porque teimo em esquecer que você não está em casa, pode ter certeza de que o que eu sinto é enorme. Mesmo que não seja amor o tempo todo, é amor também.
(Só um lado da cama continua desfeito.)

terça-feira, 22 de agosto de 2017

Texto para revista Minotauro

A velhice dos meus pais é o relógio da minha data de vencimento correndo. A casa da minha infância amarelada, o papel de parede de flores mofado, a cama grande agora pequena, tudo isso me encara a retina enquanto eu penso se devo ou não amar você.
Minha avó segura na minha mão e me diz que você é um anjo, minha mãe questiona se eu vou conseguir te amar pra sempre ou não, os porta-retratos reconstruídos com fotos atuais das subfamílias da minha família comprovam a teoria do meu avô: “se não der certo, separa”.
Eu tão machucada, mas ao mesmo tão nova nesse negócio de amor tô aprendendo aos poucos a entender que acaba, relacionamento e vida, e as vezes fico aqui paralisada vendo a casa da infância ruir junto com a pele do corpo dos meus pais, e do meu, enquanto seguro a chave do apartamento sem saber se te dou ou não. Eu achava que o mundo e nós acabaríamos junto. Isso quando “nós” ainda éramos eu e o outro, quando eu achava que amor era uma escolha de um dia, que nos outros eram só afirmação, algo que você decide se sim ou se não, e se a resposta for positiva, seguirão juntos até o fim dos dias.
(Mas o fim chegou inesperadamente num domingo solar e eu fui inverno até você aparecer.)
É difícil ter fé de novo no amor, penso nisso enquanto vejo a vida correr comigo correndo ao lado feito maratonista, para aproveitar o tempo que me resta junto aos meus. Então topo, vamos juntos, de novo, insistentes nesse lance de amor.
Meu prazo de validade está correndo, “se não der certo separa”, o importante é ter memórias para contar para os netos na casa amarelada da infância deles, sendo personagem da melancolia de outra pessoa, que vive para tentar repetir as coisas que você já viveu.

terça-feira, 27 de junho de 2017

Para a mulher do homem que me machucou

Eu penso em você quando percebo que alguma coisa em mim ainda dói. Quando vejo as marcas desse relacionamento como se alguém tivesse colocando meu corpo num raio x e por lá visse uma ferida aberta, pulsante.

Ainda não é indiferença porque existe saudade, até porque acredite, o que eu queria mesmo era ter memória boa, aqueles flashes de relacionamento bonito que a gente guarda muito tempo depois. Eu queria guardar afeto, mas eu guardo trauma, e essas coisas demoram muito para sair da nossa corrente sanguínea.

Eu te vejo e você é bonita, e te percebo forte, inteira, cheia de personalidade e imagino você como eu, cercada de amigos maravilhosos, apreço por músicas boas, desejo por viagens que mudam a vida e projetos que dão um norte. Ele não é bobo, ele não se apaixonaria por alguém diferente e você é coisa a beça.

Por isso mesmo quando eu te vejo, desejo que você seja feliz, que ele te louve, e que eu tenha sido um lapso, um comportamento abusivo momentâneo, algo que não vai mais se repetir muito embora eu aprenda com as minhas irmãs que quem é assim, é pra sempre, e repete padrão e passa o abuso adiante até que de abuso ele se torne abismo entre você e alguém que você possa amar depois dele.

Pois depois de ter construído degraus que me levassem a um novo amor eu tenho deixado pelo caminho a forma com que eu me olhava, a forma com que ele me fez acreditar que eu era: incapaz, fora do padrão. E demorou tempo para eu reconstruir minha autoestima estilhaçada e aprender a confiar que o amor pode ser bom, pode ser leve e pode ser da forma que eu quiser.

(até que um dia ele foi, e foi maior até do que o meu medo.)

Hoje, já de pé, torço para que sejamos duas: fortes, resistentes, inteiras, nos amando e sendo vistas como o presente que somos.

Eu te vejo e desejo que você seja feliz e se você não for, que dure menos no abismo do que eu. Que saia do buraco escalando com mãos fortes, que seja capaz de amar novamente, que se enxergue de forma generosa e que não aceite menos do que tudo. E que seu peito talhado não te traga traumas e nem dor, que seja só um lembrete para todas que vierem depois de você, de nós.

quarta-feira, 7 de junho de 2017

Piada interna

Um relacionamento é a maior piada interna que você pode ter com alguém. Um relacionamento é uma marca, uma cicatriz, às vezes uma tatuagem que você faz com 16 anos em São Tomé das Letras (aquela fada tocando flauta sentada em um cogumelo, aquela tribal, as estrelinhas) você pode não querer lembrar, mas ela está ali forjada a ferro no seu corpo.
Como passar impune ao encontrar alguém com quem você já viveu uma história? Você pode desviar o olhar, mas você sabe, e ele também, que naquele domingo ele lavou a roupa e você fez o almoço, e na segunda vocês pagaram as contas, e na quinta vocês treparam no sofá, e no sábado tiveram aquela briga, e ao longo dos anos vocês tiveram viagens, gripes, cirurgias, natal com a família, discussões, mais contas, mais sexo, mais amor, até que num apagar de luzes esse amor acaba. Corte seco.
Tudo isso passa pela sua cabeça no momento em que você esbarra com o seu ex objeto de desejo. O mesmo “oi” com que você cumprimenta alguém que trabalha no prédio do seu escritório, aquele abraço partido com distância segura, toda a burocracia do fim.
Um relacionamento é a maior piada interna que você tem com alguém, e não importa qual dos dois saiu mais machucado – não é uma competição – só você e ele sabem exatamente que gosto tem este fim. 
Só você e ele conhecem esta história como ela realmente foi, mesmo que um dos dois queira esquecer, a cicatriz está ali, o trauma que aparece na imagem de um raio x, na tatuagem dos 16 anos em São Tomé das Letras, a piada interna que volta em um dia qualquer, um lapso de memória que te faz rir, mesmo tantos anos depois, lembrando da vida passada que aquele amor teve e do quanto você é construído por ele.
Sim, por ele também.

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Fuck my brains out

"Fuck my brains out" é a expressão que eu mais gosto da língua inglesa e não existe nada em português que signifique isso exatamente. “Foder até perder a consciência”, talvez. Aquele torpor do orgasmo onde você não pensa em mais nada, sua cabeça fica em branco – talvez o único estado meditativo que eu consigo alcançar – onde alguém poderia até abrir a porta do quarto no meio do sexo, mas você não ia perceber.
“Fuck my brains out” é o que eu gostaria que acontecesse agora enquanto você deita de costas para mim e eu fico brincando mentalmente de “ligar pontos” com as pintas que existem nos seus ombros. Olha pra mim! Eu digo dentro da minha cabeça. Olha pra mim e tira o vestido que ficou no meu corpo o dia inteiro, que foi comigo para lugares e esteve na minha pele enquanto eu desejava a pele de outros homens até chegar aqui e ligar pontos nas suas costas esperando que você também me deseje. 
Porque tem dias que eu quero mais do que os movimentos que eu já conheço, tem dias que eu quero ser tirada pra dançar. 
“Fuck my brains out” eu emano para que a mensagem chegue ao seu subconsciente enquanto volto a pensar no homem que cruzou meu caminho na tarde de hoje e que eu gentilmente agradeci e declinei o convite do acaso pensando em você. 
“Fuck my brains out” para que eu canalize o desejo que me sobra, porque se eu penso em desaguar me vem aquela sensação na barriga que é meio ansiedade meio culpa católica, mas se eu não dou vazão eu seco, faço cara de tristeza enquanto leio braile nas suas pintas solicitando resgate.  
“Fuck my brains out” para que eu não vire aquela senhora que dividiu o banco no ônibus comigo e passou 30 minutos cantarolando uma música de forma falsa para que a gente acreditasse que ela era uma pessoa feliz.
“Fuck my brains out” para que eu veja a imensidão do mundo e viva as aventuras que acontecem na selva imaginaria da minha cama. 
“Fuck my brains out” ate a gente brincar de arte abstrata com tanta porra no meu edredom e na minha lombar.
“Fuck my brains out” para que eu esqueça de mim, de você, e por alguns segundos, do mundo. 
Para que tudo se transforme em silêncio, suor e torpor.

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terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Lindo feito arte feia

"Senta aqui, escuta isso."

A frase repetida à exaustão durante meses e humores diferentes quando você colocava um disco pra tocar que significasse o que queria me dizer.

Era sempre outra voz a falar que me amava, ou qualquer outra coisa a respeito do amor que não a sua.

Detalhes - Roberto Carlos – Roberto Carlos, 1971

A primeira vez que a gente dormiu junto você passou a madrugada recitando "Detalhes" do Roberto Carlos no meu ouvido. Dizendo que essa música, que eu já tinha escutado milhares de vezes naquele especial de fim de ano do Rei, significava uma história de amor apenas para os incautos.

“É uma maldição. É sobre alguém que nunca superou o fim e por isso não deixa o ex-amor em paz. Diz que ela vai pensar nele e vê-lo em outros caras o tempo inteiro e por isso não vai seguir adiante”

Dance Me to The End of Love – Leonard Cohen – Various Positions, 1984

Você acabou ficando. Era o quinto dia consecutivo que eu chegava a casa e te encontrava cozinhando ou estatelado no chão ao lado do meu toca discos feito o “Homem Vitruviano”.

Naquele em específico você tinha ido a uma loja me comprar um presente que tocava agora assim:

“Dance me to your beauty with a burning violin”

Me tirou pra dançar enquanto eu segurava sacolas feias de supermercado. Perguntou se eu conhecia Leonard Cohen, e eu disse que não.

Você disse que estava feliz por trazê-lo para a minha vida. Que eu não conhecia ainda, mas ia me apaixonar por este homem intenso, “bonito feito arte feia”, de um timbre complexo que cantaria coisas que eu precisava descobrir.

“Essa música, por exemplo, todo mundo acha que é sobre amor, mas na verdade é sobre a morte”.

Os dois são a mesma coisa, eu disse.

Larguei as sacolas no chão e dancei com você.

Heaven – Rolling Stones – Tattoo You, 1981
De vez em quando eu tenho pequenos flashbacks do seu corpo esparramado na cama, embolado no meu edredom branco amarelado de menina que trepa demais.

Abria a janela de manhã, cansada de te abraçar e te morder, e me arrastava para o trabalho enquanto você continuava ali, imóvel feito uma pintura.

Você ainda não dizia nada sobre a sua vida, mas agia como se eu fosse o seu ar. Perguntava que horas eu voltava e ficava ali me esperando.

(Eu era nova demais para perceber que não se deve mergulhar no amor sem antes levar um snorkel.)

The Boy with the Thorn in His Side – The Smiths – The Queen is Dead, 1985

A gente sempre vê magia no desajustado.

Não sei se é um problema da juventude, mas talvez o que eu mais tenha mudado depois de você foi parar de ser a protagonista complicada para querer ser a personagem secundária, que é mais leve.

Eu achava que morar naquela bolha era necessário até que você começasse a se expressar de alguma forma.

Você se recusava a conhecer o que existia para mim além de você. Achava que o que tinha era o suficiente para nós dois.

Uns Dias – Paralamas do Sucesso – Bora-Bora, 1988

Com o tempo você ia dizendo cada vez menos coisas até que um dia não se ouvia nem mais a sua respiração.

Era como se, ao me ver ali, entregue, a história tivesse perdido a graça e era preciso recomeçar em algum outro lugar.

Pensando agora, os dias se passaram como se alguém tivesse apertado o botão para que um filme voltasse. De repente, sua jaqueta sumiu do chão da minha sala, o livro não estava mais na pia do banheiro, as panelas estavam fora da mesa da cozinha e o tênis havia sumido da varanda.

E como só vivíamos mesmo naquele quadrado da minha casa, é como se nós dois nunca tivéssemos existido.

It´s All Over Now, Baby Blue – Bob Dylan - Bringing It All Back Home, 1965

Deixei agora, na portaria do seu prédio, todos os discos que você me deu.

Junto com eles te deixo também as histórias, o edredom branco amarelado, os passos de dança, o movimento da cama (e todo o resto que acordava os vizinhos), a planta que eu nunca saberia cuidar, a parte de mim que ainda amava você e aquele disco do Roberto Carlos. Lembra dele?

"E tudo isso vai fazer você lembrar de mim"



quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Essa mulher vai te largar, José

Você está pronto, José, para ver sua mulher amar outro homem? Para ver seus gatos irem para a casa dele com ela, e ele nem gostar tanto destes gatos que você trata melhor do que trata a sua avó?
Você está pronto para um dia ela encher o saco da bagunça que você faz aqui na sua casa, da sua incapacidade de separar roupa branca da colorida para lavar e ao mesmo tempo ter esse toc de não deixar a menina deitar na sua cama com roupa da rua?
Porque eu estou de afirmando, José, essa mulher vai te largar. Escute seu velho pai, coloca uns discos do Belchior pra tocar para ela, aprende a cozinhar, come ela gostoso José. E não faz essa cara pra mim, ou você acha que eu não transo com a minha mulher?
Eu posso não saber muita coisa da vida, mas eu já chorei, já sofri, já achei que ia morrer de amor. E quando eu achei que estava a salvo, foi ai que eu sofri de novo, porque quando a gente acha que o amor está garantido no bolso, é aí que acaba, meu filho.
Não subestima o fim do amor, não acha que amor é eterno ou a prova de tudo, aliás, também não subestima o passado que o amor tem, somos todos sequelados de guerra, cheios de hematomas pelo corpo destes amores que vem antes dos atuais. E isso deixa a gente diferente, meio desconfiado da bonança, ou calado em dia de chuva lembrando daquele que veio antes.
Por isso se ela fica calada nos seus braços, ou olhando para o nada, respeita o silêncio, respeita quem veio antes de você e entende que todo mundo é construção de um amor, somos construídos por nossos afetos e isso nos faz humanos, melhores como pessoas.
Só quem sofreu e ficou como um cachorro magro de rua consegue amar de novo, pois quando se percebe que disso não se morreu, a gente fica mais resistente e teima em gostar de novo.
Mas ao mesmo tempo isso também nos faz mais fortes, mais resistentes, olho de lince na hora de perceber que está sendo maltratado e dai ganha a mesma coragem de pular fora quando sabe que não está bom.

Por isso eu estou te dizendo, José, essa mulher vai te largar. Ou você se apruma e olha pra ela como se ela fosse arte, ou eu vou ser o primeiro a dizer “muito bem” quando ela for embora.