terça-feira, 21 de junho de 2016

O abismo

Eu lembro da primeira vez. Um travesseiro entre as pernas quando eu era criança, o travesseiro molhado um tempo depois, a percepção de que entre as minhas pernas existia um mundo.

Uns anos depois, já na escola, minha melhor amiga me ligou depois da aula para me contar que tinha descoberto uma coisa incrível.

"Coloca dois dedos dentro de você. Depois tira e põe eles devagarinho. Faz umas cócegas engraçadas e eu tenho feito todo dia quando chego da escola, será que é errado?" E aí eu descobri o que era aquilo que eu sentia quando colocava o travesseiro entre as minhas pernas.

Alguns anos depois, a minha grande professora já tinha outros assuntos para me ensinar. Com 16 anos ela já tinha transado com o primeiro namorado e comentava no intervalo da escola sobre a experiência maravilhosa que é ter um orgasmo com mais alguém envolvido:

Hoje eu dei para ele de quatro.

Hoje ele me chupou, eu fiquei com vergonha, mas deixei.

Hoje a gente transou na escada do meu prédio.

E como é gozar? (Eu perguntava)

É como cair em um abismo sem ter aonde se segurar.

Eu não caia de lugar nenhum. De todas as minhas amigas, eu fui a ultima a trepar.

No dia em que eu finalmente perdi a virgindade, quase 19 anos e já morando sozinha em outra cidade, meu namorado perguntou se eu me masturbava.

Eu disse que sim, todo mundo faz, e ele pediu que eu não me masturbasse enquanto a gente namorava, “senão você não vai gozar comigo”.

Terminamos, claro. E eu continuei gozando sozinha e com outros homens que passaram pela minha cama depois dele.

Já a minha amiga ficou na cidade de interior onde morávamos e casou com aquele mesmo namorado. Fui à festa de casamento deles e estava feliz por vê-la com o homem que amava, tantos anos depois. O que não me saía da cabeça era se ela, minha grande tutora em assuntos sexuais, tinha experimentado “cair em um abismo sem ter aonde se segurar” com outras pessoas também.

Era necessário? Eu era melhor do que ela por ter saído de lá e ter dado para outros caras? O que é que define uma vida cheia de experiências?

A dúvida/julgamento pairava na minha cabeça enquanto eu abocanhava um bem casado e fingia não ver a crise do meu próprio namoro, que acabaria pouco tempo depois.

É assim mesmo? O casamento acaba com o tesão ou era o amor que tinha acabado? É possível querer a mesma pessoa para sempre? Eu sublimava a parte física do meu ex. O corpo que eu já não morria para ver, o corpo que eu tinha banalizado, o corpo que eu queria ao meu lado mesmo assim, de qualquer forma, todas as noites. Mas será que eles se comportam assim com o nosso corpo também?

Eu pensava nisso enquanto empacotava minhas coisas para mudar de casa, ao mesmo tempo em que a minha amiga chegava de lua de mel.

O casamento dela começava junto com a minha vida de solteira, e eu mergulhei nela.

O sexo me libertou e ressignificou meu corpo. Eu mandei pencas de nudes, me meti em relações abertas, fui terceiro elemento, fiz sexo por sexo e também me apaixonei pela pior pessoa do mundo por causa de sexo.

 Eu gostei mais de mim depois de gozar frouxo, muito, de saber como me levar para esse lugar. Eu fui para o trabalho toda roxa (a marca da sua boca no meu braço) vestindo casaco no dia mais quente do ano e criei memorias que me salvavam de dias muito ordinários (o motel mais sujo da cidade. Dormir no seu peito.)

Eu tive todo tipo de relações e minha amiga continua casada com o primeiro homem da vida dela, mas não acho que somos tão diferentes assim. Afinal, continuamos caindo no mesmo abismo. 


As duas, sem ter aonde segurar.

(Harper´s Bazaar, edição de maio /2016) 

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