quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

As coisas que eu queria te dizer

A gente nunca sai ileso de um amor que acabou, sempre ficam remendos, patchwork dos relacionamentos que a gente acumula ao longo do caminho.
O amor acaba e nasce um neurótico de guerra, alguém que saiu de um Vietnã amoroso e ainda ouve os barulhos e os cheiros do combate.
Se separar é morrer em mais sentidos do que se imagina, é preciso aceitar o fim, velar o morto, se desfazer dos pertences, rezar a missa, se confortar nos amigos e torcer para que o fantasma não volte. Encaminhar o amor pra luz feito quem se foi, e reconstruir.

No dia seguinte ao que eu fui embora, nunca mais falei com você.
Talvez alguns e-mails e mensagens burocráticas, afinal, éramos donos de um amor apodrecido, mas também de uma máquina de lavar e alguns discos, e precisamos falar sobre o assunto.
Tudo muito cheio de pontos finais (mensagem de texto que termina com ponto final é sempre mais forte) para simbolizar que estava acabado mesmo, não tinha jeito.
Nunca mais nos falamos. Eu não sei se isso foi bom ou ruim, mas eu não sabia como lidar. A primeira morte que eu vivia em idade adulta era a sua, a do amor, e ninguém tinha me contado sobre como viver o luto.
(E em momento algum eu dividi isso com você, a única pessoa que sabia exatamente o que eu estava passando.)
Não teve o enterro, não teve missa de sétimo dia, só teve um longo velório que durou cerca de um ano.
Passado o tempo, o coração se reconstruiu. Órgão musculoso e cheio de teimosia, ignorou as cicatrizes do Vietnã amoroso e o cheiro de napalm do apartamento em que habitávamos em dupla antes de eu seguir só por ai.

Ainda hoje as coisas que eu queria te dizer continuam por ser ditas. Enterrei mais gente e amores depois. Aprendi a viver meu luto e encontrei outros sequelados quanto eu, sobreviventes de guerras particulares, mas felizmente ainda teimosos. Essa gente que desiste de tudo, menos de acreditar que desta vez dá certo. 

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Motivos

Estes dias entrei no prédio onde a gente morava.
Sorri, foi bom estar ali.
Não porque eu pensei em memórias bonitas, mas porque eu adorava o piso daquele prédio e a parede de tijolos. Eu queria vê-los de novo.
Quando eu cheguei, percebi que tinham mudado a fachada. 
A parede de tijolos vermelha agora era uma parede bege entediada. 
Bege.
É por isso que as pessoas se separam. 

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Tempo

Nós.
Segredos escondidos. Planos de dominação mundial. Cumplicidade de edredom. Voz no silêncio. Suspiros. Raiva. Você pensa em mim no futuro? 
"Se você for eu vou ao lado"
Nós.
Plural, duplinha, mãos dadas. O outro lado do fone de ouvido. Playlist secreta. Piadas internas. Apelidos que não fazem sentido algum para o resto do mundo.
Nós contra o resto do mundo. Nosso pequeno universo, nossa caixa, nosso quarto, nosso bunker.
Nós e a minha dúvida do quanto o amor dura. Essa minha ideia de que amor é algo comestível, suculento, a melhor refeição da sua vida, mas com o tempo embolora.
Como faz pra continuar junto por muitos anos, ainda se amando, ainda cultuando essa seita secreta que eu chamo de "nós"?
Não te contei, mas ando com uma obsessão de querer saber isso dos casais que também são "eles" há muito tempo. Quero aprender pra te ensinar.
Nós e essa minha teimosia em insistir no amor mesmo com tantas cicatrizes de guerra espalhadas pelo meu corpo.
Você nem questiona quem as fez. O que te importa é esse meu pequeno pedaço de carne que ainda não tem nenhuma marca. É pequeno. Mas é fértil. 
Você sussurra no meu ouvido que "dessa vez vai ser diferente" e eu seguro nas suas mãos com essa fé cega que na verdade é pura teimosia. 
Dessa vez vai ser diferente. 

(Texto publicado na terceira edição da revista Cause)

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

O amor é para você também

Você sente o amor e não consegue respirar. Você vê o amor e não consegue agir, fica acuado no canto da sala com medo, medo dele se alastrar por você e te tirar o controle. Você se acha melhor antes do amor, se achava mais madura, experimentava mais coisas, antes do amor você era do mundo, o amor chegou e se tornou um mundo, você acha o amor egoísta, não consegue ser recíproca a ele, diz que você e o amor são incompatíveis.

Brigam feito dois irmãos, não se suportam, dizem coisas horríveis um para o outro. Você diz que o amor é prepotente, ele te chama de egocêntrica. Só consegue pensar em você mesma, nas suas histórias, no seu frio na barriga, no que aquele que não tem amor faz com o seu corpo, diz que quando não tem amor é sempre melhor.

Mais violento, mais intenso, mais forte.

Porque você não tem coragem de deixar o amor te invadir, "dizem que quando ele chega, não sobra nada". E você ai achando que é ingênuo, calmo, bonitinho, que quando se aceita viver com ele, a vida termina em contas para pagar, apartamentos divididos, vida a dois desgastada, falta de emoção.

E você é louco por uma emoção.

Mas a verdade é que você não entende nada. Você acha que o amor tem que ser embalado em uma forma romântica, duas pessoas até o fim da vida, juntas, únicas, sem olhar para o lado.

E eu te digo que todo mundo que ama olha para o lado. E que o amor existe de diferentes formas, até da forma que você quer.

Você vê o amor e não consegue alcançá-lo. Depois que o enxerga de forma mais bonita, entende seu tamanho e força, começa a se achar pequeno demais. Muda, acha que não merece, tenta ser alguém melhor para o amor, mas você não é assim.

Você é essa montanha russa onde ou se joga as mãos para cima e fecha os olhos, ou vomita de enjoo no meio de uma curva.

Nada é muito fácil com você

E antes que saia por ai se achando injustiçado, ou terrível demais para o amor, se acalma.

Até você merece. Ele te quer mesmo assim. Fica.

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Ainda sobre o amor

Eu tenho esse jeito bruto de amar, eu sei.
Eu reclamo, eu respondo, eu perco a paciência, eu questiono tudo, o tempo todo, mas ainda assim eu escolho estar com você.
Tem dias que eu não sei. E ai de quem disser que o amor é essa entidade inquestionável, algo que você assina e fica assim pra sempre.
 Não fica, meu bem. 
Talvez eu saiba disso mais do que você porque já acreditei e vivi pra ver o amor não dar certo. Empacotar e começar de novo.
Por isso mesmo eu questiono e não deixo de fazer planos que sejam só meus.
(Mas quando decido ir embora sempre dou uns últimos 5 minutos só pra ver se você chega)
Qualquer jornada ao seu lado tem mais brilho e mais risada. Até quando eu quero ser séria. Até quando eu te pego de jeito. Até quando eu te pergunto, fazendo uma voz meio sexy, "o que você gostaria de fazer que a gente ainda não fez?" e você responde:
"Nova lorque".
Você foi o caminho mais improvável que a minha vida deu.
Porque eu não queria, em algum lugar eu achava que amor era aquela coisa sádica que eu vivi durante os últimos anos.
Mas você pegou minha mão na rua, riu da minha dificuldade em demonstrar afeto, insistiu, quis conhecer meus amigos (que audácia!) jogou as roupas no armário, no chão, na cama, fez seu ninho nos meus braços e ficou.
Eu te amo e é bonito.
É leve.
E essa semana eu fiquei com dor só de pensar que um dia talvez eu possa não te amar mais.
Mas é o que eu sempre te digo:
Você é inteiro, eu sou inteira.
A gente sobrevive sem o outro mas mesmo assim continua tomando o mesmo caminho de mãos dadas quase todos os dias de manhã.
E a gente faz isso porque está dando certo, não tá?


terça-feira, 21 de junho de 2016

O abismo

Eu lembro da primeira vez. Um travesseiro entre as pernas quando eu era criança, o travesseiro molhado um tempo depois, a percepção de que entre as minhas pernas existia um mundo.

Uns anos depois, já na escola, minha melhor amiga me ligou depois da aula para me contar que tinha descoberto uma coisa incrível.

"Coloca dois dedos dentro de você. Depois tira e põe eles devagarinho. Faz umas cócegas engraçadas e eu tenho feito todo dia quando chego da escola, será que é errado?" E aí eu descobri o que era aquilo que eu sentia quando colocava o travesseiro entre as minhas pernas.

Alguns anos depois, a minha grande professora já tinha outros assuntos para me ensinar. Com 16 anos ela já tinha transado com o primeiro namorado e comentava no intervalo da escola sobre a experiência maravilhosa que é ter um orgasmo com mais alguém envolvido:

Hoje eu dei para ele de quatro.

Hoje ele me chupou, eu fiquei com vergonha, mas deixei.

Hoje a gente transou na escada do meu prédio.

E como é gozar? (Eu perguntava)

É como cair em um abismo sem ter aonde se segurar.

Eu não caia de lugar nenhum. De todas as minhas amigas, eu fui a ultima a trepar.

No dia em que eu finalmente perdi a virgindade, quase 19 anos e já morando sozinha em outra cidade, meu namorado perguntou se eu me masturbava.

Eu disse que sim, todo mundo faz, e ele pediu que eu não me masturbasse enquanto a gente namorava, “senão você não vai gozar comigo”.

Terminamos, claro. E eu continuei gozando sozinha e com outros homens que passaram pela minha cama depois dele.

Já a minha amiga ficou na cidade de interior onde morávamos e casou com aquele mesmo namorado. Fui à festa de casamento deles e estava feliz por vê-la com o homem que amava, tantos anos depois. O que não me saía da cabeça era se ela, minha grande tutora em assuntos sexuais, tinha experimentado “cair em um abismo sem ter aonde se segurar” com outras pessoas também.

Era necessário? Eu era melhor do que ela por ter saído de lá e ter dado para outros caras? O que é que define uma vida cheia de experiências?

A dúvida/julgamento pairava na minha cabeça enquanto eu abocanhava um bem casado e fingia não ver a crise do meu próprio namoro, que acabaria pouco tempo depois.

É assim mesmo? O casamento acaba com o tesão ou era o amor que tinha acabado? É possível querer a mesma pessoa para sempre? Eu sublimava a parte física do meu ex. O corpo que eu já não morria para ver, o corpo que eu tinha banalizado, o corpo que eu queria ao meu lado mesmo assim, de qualquer forma, todas as noites. Mas será que eles se comportam assim com o nosso corpo também?

Eu pensava nisso enquanto empacotava minhas coisas para mudar de casa, ao mesmo tempo em que a minha amiga chegava de lua de mel.

O casamento dela começava junto com a minha vida de solteira, e eu mergulhei nela.

O sexo me libertou e ressignificou meu corpo. Eu mandei pencas de nudes, me meti em relações abertas, fui terceiro elemento, fiz sexo por sexo e também me apaixonei pela pior pessoa do mundo por causa de sexo.

 Eu gostei mais de mim depois de gozar frouxo, muito, de saber como me levar para esse lugar. Eu fui para o trabalho toda roxa (a marca da sua boca no meu braço) vestindo casaco no dia mais quente do ano e criei memorias que me salvavam de dias muito ordinários (o motel mais sujo da cidade. Dormir no seu peito.)

Eu tive todo tipo de relações e minha amiga continua casada com o primeiro homem da vida dela, mas não acho que somos tão diferentes assim. Afinal, continuamos caindo no mesmo abismo. 


As duas, sem ter aonde segurar.

(Harper´s Bazaar, edição de maio /2016) 

terça-feira, 14 de junho de 2016

Punhados sobre a escrita

E então eu escrevo sobre amor. Obsessivamente.

Hoje em dia esse é um assunto que me traz um pouco mais de sossego, mas nem sempre foi assim. Já passei pelo questionamento do "mas eu sou monotemática?" até o bullying indireto de amigos escritores que criticavam essa literatura "menor que é falar de si mesmo" quando às vezes nem era sobre mim, embora fosse sobre amor.

Foi foda achar meu lugar nas palavras principalmente porque ser escritora foi consequência de um método que eu usava desde criança para sobreviver. Eu não me tornei escritora, eu existi escritora. E não foi publicar um livro que validou isso.

O meu processo criativo é diferente. Eu não me isolo. Você vai me ver na rua, entre pessoas, porque é disso que eu me alimento.

Eu consigo parir um texto por semana porque eu preciso escrever e os conselhos do "guarda para o seu próximo romance" às vezes não funciona porque eu preciso deixar escoar de mim, eu só consigo entender se tiver escrito. Eu escrevo por sobrevivência.
Eu não tenho pressa, tenho urgência.

Nunca tive paciência para esperar esfriar. Nem sopa, nem amor. Embora hoje em dia eu deixe um texto dormir um tempo, marinar antes de jogar para o mundo. Porque eu também gosto quando as palavras são bonitas.
Eu publico livros em tempos longos. Do primeiro para o terceiro foram 5 anos. E há dois esse último romance roda por aí – rodou tanto que chegou na Espanha! – enquanto eu cato os coquinhos do meu próximo projeto.

É que eu tive que trabalhar. (Me boto no colo e me conforto). É que eu tive que (tenho que) pagar o aluguel, bancar meu apartamento, minha dor, minhas questões, minha análise e por isso mesmo eu não sou só escritora. Eu sou roteirista também. Você vai ver meu nome em programas populares de televisão e em uns projetos autorais que dão gosto de ver.
É que eu preciso escrever para sobreviver, como disse lá em cima. Por dentro e para fora.
E é dessa forma que eu vou seguindo a vida. Não sei se acontece com você, mas tem uns dias esvaziados, onde pouca coisa tem graça. Você se questiona? Você pensa em para que serve isso tudo? Em pra que você está por aqui?
Quando isso acontece, tem o leitor. E o leitor é o oposto da solidão. O leitor valida tudo, o texto e o escritor. E eu existo para isso. Porque existe você.
E sorte minha que essa literatura menor que é falar de si mesma envolve um monte de gente que pega na minha mão e me leva por ai.
E um monte de autores que vieram antes de mim, para me dar colo e calma. (Ave Ana C.)
Colo, calma e escrita.

Tem gente que quer um mundo de coisas. No fundo, eu quero só isso.
Isso e escrever cartas de amor para pessoas que não existem. Como eu fazia desde que tinha uns 10 anos.
Como eu faço até hoje.

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Copacabana

Minha primeira noite sozinha em Copacabana. A primeira saída do metrô depois de um dia de trabalho. Andando pela Nossa Senhora de Copacabana, de repente um homem cai em cima de mim. O segurança de um restaurante chamado “Quitutes da Deusa” arremessa o cara para rua, que cai em mim e vai embora com o dedo em riste para o segurança, dizendo: você vai morrer!
Copacabana não é para distraídos.
Começo a olhar obsessivamente para trás. Lembro da minha irmã me dizendo: o medo atrai, e começo a olhar para frente de novo, mas tem um cara correndo no meio da rua e eu nem sei da onde ele vem.
Copacabana não é para os fracos.
Entro no meu prédio, a portaria de tapete vermelho que eu conheço tão bem. Dou boa noite ao porteiro que me olha tentando se lembrar do meu nome. Abro a porta. A sala ainda tem caixa e cheiro forte de tinta. A casa tem a mesma configuração que era da minha irmã, e isso me da agonia, porque a casa ainda não é minha.
Sento sozinha na sala para comer e penso que a casa ainda tem a mesma configuração que era da minha irmã, ainda bem, me sinto menos sozinha. Se eu fechar os olhos posso escutar minha sobrinha me chamar, e isso é bonito e triste, porque me dá saudade.
Copacabana não é para insensíveis.
Me dou conta de duas ou três coisas que se perderam na mudança. É a quinta mudança que eu faço em três anos, mas dessa casa aqui eu saí há sete. Moro agora no único quarto que nunca foi meu. Penso de novo na minha irmã, quero contar da mudança, mas tem fuso horário distante e um trabalho que me sugou a alma.
Copacabana não perdoa quem tem memória.
Todo mundo sente tudo. Lembro do cara que caiu em cima de mim, do outro correndo no meio da rua, ouço de longe um vizinho gritando com o filho e sei que está todo mundo aqui porque Copacabana é o único bairro que acolhe a todos nós.
As putas, os bêbados, os solitários, os malucos, os velhinhos, os estudantes, as famílias, as pessoas que moram na rua, e até a mim, que sou um pouco de cada um deles.
Copacabana é para todos.
(Acho que já escrevi isso antes)
Voltei para casa.



quarta-feira, 30 de março de 2016

Processo

va.zi.o
adj (lat vacivu) 1 Que não contém nada ou só contém ar. 2 Despejado. 3 Sem moradores; desabitado, vago, desocupado. 

O apartamento é uma cidade fantasma. Eu escuto o vizinho tossir no primeiro andar. Nada nas suas gavetas, metade do armário desocupado e já faz uns dias que eu coleciono sinônimos para a palavra vazio.

 sm 1 O espaço vazio; o vácuo. 2 Sentimento indefinível e profundo de saudade angustiosa. 

De manhã eu fiquei deitada em silêncio. Ouvi meu coração batendo fraco, a festa de aniversário do ano passado na nossa sala, o primeiro natal que passamos aqui, você me comendo na cozinha, sua voz sussurrando que me amava, copos quebrando no chão, copos quebrando na parede, copos quebrando pela casa inteira. Quando foi que a gente parou de se amar?


3 Insaciabilidade. Estômago vazio. 

O apartamento é um mausoléu. Todas as coisas são memorabilia macabra, um mosaico das historias que vivemos juntos. Quem sai de casa tem esse consolo. Quem sai de casa é mais livre?


4 Que tem falta ou privação de alguma coisa. 

Hoje de manhã eu acordei e percebi que já não doía mais. Chorei porque se não lembrava, já não sentia. Do nosso amor não ficou nem o desamor e isso também é triste.

5 Diz-se da cabeça sem ideias. 

Quando foi que os dias começaram a correr sem que eu lembrasse que você existia?

6 Diz-se do coração sem afeições.

Eu acho que enterrei você.

en.con.tro 
s.m. Ato ou efeito de encontrar.

Faz uns dias que eu levanto da cama no mesmo horário. Renomeei todas as coisas do apartamento. Criei novas histórias para as fotos em cima da mesa, para os discos que ficaram, para a reminiscência. Ontem eu te ví na rua e você estava bonito.

1 Casual posição face a face com uma pessoa ou coisa. 

Eu espero que você esteja feliz, mais do que a gente foi. Se era tão bom quando parecia que você era a única pessoa possível, imagina agora que eu tô vendo o mundo?

2 Colisão de dois corpos: encontro de veículos. 3 Combate imprevisto entre duas tropas em marcha.

Eu lembro de você e é bom. 

 4 Encontro de contas, acerto.

Tenho um sorriso besta, muitas olheiras e nenhuma certeza do que virá. Enquanto escrevo, ele dorme ao meu lado. Pode ser que seja ele, pode ser que seja qualquer outra pessoa. Depois de você eu não faço mais planos.

5 Confluência de rios. 

Se você sobrevive ao fim, sobrevive a qualquer coisa. E o amor se torna possível de novo, só porque você já morreu uma vez.

6 Achado.


Já faz uns dias que eu coleciono sinônimos para a palavra “encontro”, e te desejo amor. 



Texto para a segunda edição da revista Cause.

quarta-feira, 16 de março de 2016

E se.




Algumas músicas acabam comigo, algumas eu queria te mandar, mas acho que não posso.
Lembra aquela tarde dos discos? As horas que a gente passou entrando em todas as mini lojinhas daquela rua comprando tudo o que a gente gostava, “porque dinheiro é pra gastar com isso mesmo” e depois de sair de lá, bolsas cheias, bem menos grana e um vitrola meio velha no meu colo no ônibus, a gente ainda parou num bar.
Ninguém entendia a nossa lingua, a gente não entendia a deles, mas de alguma forma você conseguiu fazer o dono do bar concordar em ligar a vitrola e durante duas, três horas, a gente ouviu muitos dos nossos discos como se ninguém estivesse perto, bebemos negronis, e teve uma hora que você deitou a cabeça no meu colo e perguntou “porque a vida é tão complicada”.
Antes que eu te beijasse, você levantou.
Depois disso a gente andou até a minha casa e você subiu com a vitrola e os discos enquanto eu guardava a bicicleta. Abri a porta e tinha música de novo, e tem umas músicas que acabam comigo, você sabe, e você colocou Al green, que covardia, colocar Al Green. Me esquivei para o banho. Você não me beijaria. Me tiraria para dançar e não me beijaria e perguntaria porque a vida é tão complicada enquanto respondia um e-mail dela sobre que tipo de marcenaria vocês deveriam usar no quarto.
Saí do banho e você estava no sofa. Deitei no seu colo, você mexeu nas minhas canetas, escolheu a merda de um marca textos e escreveu em mim. Você lembra disso?
PLEASE HELP ME MEND MY BROKEN HEART. (E a frase ficou escrita na minha lombar por três dias)
No dia seguinte você ia voltar para o Brasil e eu continuaria minha jornada sabática por uns bons meses, sem ninguém.
A gente tinha essa mania engraçada de se encontrar pelo mundo, mas no último ano você tinha decidido não me beijar, não me comer, só que não entendia que ouvir meus discos, deitar no meu colo, escrever em mim e me encontrar em outro continente era mais intimo do que sexo.
Era mais fácil se eu só sentasse em você, eu dizia.
A verdade é que você sempre soube. Era você. Desde o dia um foi você, tudo o que veio depois foi tentativa de despistar meu coração de você, você me movia.
E agora você diz que está disponível para mim.
Vejo a polaroid do marca textos na minha lombar. Alemanha gelada, os discos, a vitrola quebrada que hoje serve de apoio para a planta da sala.
O quanto eu te queria, meu Deus.
E agora você pode. 
"Pode"
Podia ter sido foda.
Mas virou literatura.