A gente nunca sai ileso de um amor que acabou, sempre ficam
remendos, patchwork dos relacionamentos que a gente acumula ao longo do
caminho.
O amor acaba e nasce um neurótico de guerra, alguém que saiu de
um Vietnã amoroso e ainda ouve os barulhos e os cheiros do combate.
Se separar é morrer em mais sentidos do que se imagina, é
preciso aceitar o fim, velar o morto, se desfazer dos pertences, rezar a missa,
se confortar nos amigos e torcer para que o fantasma não volte. Encaminhar o amor pra luz feito quem se foi, e reconstruir.
No dia seguinte ao que eu fui embora, nunca mais falei com você.
Talvez alguns e-mails e mensagens burocráticas, afinal, éramos
donos de um amor apodrecido, mas também de uma máquina de lavar e alguns
discos, e precisamos falar sobre o assunto.
Tudo muito cheio de pontos finais (mensagem de texto que termina
com ponto final é sempre mais forte) para simbolizar que estava acabado mesmo,
não tinha jeito.
Nunca mais nos falamos. Eu não sei se isso foi bom ou ruim, mas
eu não sabia como lidar. A primeira morte que eu vivia em idade adulta era a
sua, a do amor, e ninguém tinha me contado sobre como viver o luto.
(E em momento algum eu dividi isso com você, a única pessoa que
sabia exatamente o que eu estava passando.)
Não teve o enterro, não teve missa de sétimo dia, só teve um
longo velório que durou cerca de um ano.
Passado
o tempo, o coração se reconstruiu. Órgão musculoso e cheio de teimosia, ignorou
as cicatrizes do Vietnã amoroso e o cheiro de napalm do apartamento em que habitávamos
em dupla antes de eu seguir só por ai.
Ainda
hoje as coisas que eu queria te dizer continuam por ser ditas. Enterrei mais
gente e amores depois. Aprendi a viver meu luto e encontrei outros sequelados
quanto eu, sobreviventes de guerras particulares, mas felizmente ainda
teimosos. Essa gente que desiste de tudo, menos de acreditar que desta vez dá
certo.