Eu vejo a minha família. Tão hippie ainda, tão adulta, tão começando. Tocando violão num domingo tão calmo, tão bonito. E não entendo como pode me trazer tanta angústia. “A vida é feliz e triste, minha filha. O tempo todo.”
Porque segunda eu volto para o trabalho, voltamos. E esqueço de tudo. Do domingo, do violão, da minha mãe dançando na sala, levando minha irmã numa valsa. O copo que cai. Os copos sempre caem nos encontros da minha família.
Derrubamos copos, pratos, cinzeiros cheios. Bebemos, dançamos, e na segunda volta tudo ao normal, cada um em sua casa e, no meio, silêncio e contas. Nostalgia quentinha.
“Ser adulto é feliz e triste, minha filha. O tempo todo. E não pensa que é fácil entrar no carro e voltar para cá, onde não tem vocês. Onde não tem criança, neto, filhas adultas e com tantas questões. Mas eu gosto, eu abrigo, eu entendo, eu me culpo por cada uma das questões.
A vida é amarga e doce, e eu entendo essa sua vontade de ir. Era igual comigo. Vai ser igual com seus filhos ainda nem nascidos, os filhos que você acha que nem vai ter. Eles também vão te olhar com o coração na mão, porque vão ter que te deixar ir para seguirem os próprios caminhos. E provavelmente também quebrarão copos, porque é assim que a gente faz.
Você é arma de destruição em massa, força da natureza, mas seu coração aperta. E quando isso acontece aí, meu peito sufoca daqui.
Eu sinto tudo, eu sinto o dobro. Eu durmo com o celular ligado; quando você é mãe, ouve o telefone no meio de um furacão. Eu escuto seu choro, sua felicidade, eu escuto você me chamar antes de você ter pensado em mim.
A vida é leve e pesada, minha filha, o tempo todo. É difícil não querer te contar o final, porque a esse ponto eu já sei. É difícil não poder te contar quais amores, planos e sonhos eu acho que vão dar certo, porque, bem, eu aprendi que você tem que ver por você mesma.
Toda mulher é profeta, toda mãe é bruxa. Toda mãe transborda, e na nossa família é sempre um pouco mais.
Espero que você não corte os pés ou as mãos. Mas o peito corta de vez em quando. Na nossa família sempre um pouco mais.
A vida é bonita e triste, minha filha. O tempo todo.
Mas só tem essa aqui.
Corre.”
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