sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Mesmo que acabe

De vez em quando eu penso em como você era antes que eu chegasse. Fiquei vendo uma foto sua hoje de manhã, para ver se alguma coisa no seu rosto demonstrava a possibilidade de um encontro, como se alguma coisa naquele lugar já desse uma pista de você na minha cama alguns dias depois.
O que acontece quando existe um encontro? Como é esse dia? Você acorda e vai para a vida como se estivesse tudo bem, sem saber que na verdade acontecerá logo depois alguma coisa de extraordinário?
Encontrar você foi desses buracos no tempo, alguma coisa de extraordinário.
Você acaba de bater a porta, sai da minha casa com meu cheiro enquanto eu tomo café imaginando como vai ser o seu dia.
Como passar incólume por  um encontro?
Como passar sem medo por qualquer início?
Nada é mais invencível do que o início.
E encontros, mesmo que acabem, não deixam ninguém à salvo.
Ninguém sai ileso.
Você acabou de sair da minha casa e eu já sei que alguma coisa na minha vida nunca mais vai ser igual.
Mesmo que acabe.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

If I could settle down, than I would settle down.


quinta-feira, 20 de agosto de 2015

AQUELE QUE NÃO ERA O SEU



Talvez vocês tenham se conhecido na festa de um amigo em comum. Talvez você não quisesse ter ido – porque o amor só chega quando estamos distraídos – mas acabou indo mesmo assim.
Se maquiou no carro? Colocou uma roupa qualquer? Ou não, talvez leve essa questão de figurino a sério e chegou lá bem.
Talvez ele estivesse fazendo um drink na cozinha, talvez estivesse colocando o som. O que importa é que vocês se viram, e ele se apaixonou de cara, clichê, perdidamente, pela sua cara de boa moça e sua camiseta de rock star.
Talvez ele tenha insistido para te ver uns dias depois da festa, ou talvez vocês tenham ficado na mesma noite. Mas ficaram, e os dias foram correndo, e vocês estavam apaixonados.
Talvez você morasse sozinha, e depois de muitos meses dormindo todos os dias na sua casa ele resolveu ficar de vez. Talvez você morasse com seus pais ou com uma amiga, e depois de muito tempo sem sair da casa dele decidiu ficar. Mas moraram juntos. E passaram domingos de manhã comprando flores na feira, discos em lojas e quadros naquela viagem para Nova York (ou Londres, não sei), e o tempo passou assim, com música de manhã e sexo à noite. Dançando. Como tem que ser.

ESTUDO SOBRE O TEMPO

 imagem: Berta Vicente Salas – flickr.com//b-erta


Eu demorei 12 anos para agradecer a mim mesma por não ter feito as tatuagens que eu queria ter feito aos 16.
Uma garrafa de vinho para escrever este texto.
5 anos para trabalhar no que eu realmente queria.
17 para acender o primeiro cigarro.
12 para entender que eu precisava parar.
40 minutos para chegar ao centro da cidade.
9 horas para conhecer um país.
10 anos para escrever a primeira carta de amor.
1 ano e meio para escrever um romance.
24 horas para viver um.

RETORNO DE SATURNO




Sábado de manhã
Eu crio narrativas, acredito na minha própria ficção. Acredito em você durante dois minutos, até você me mostrar seu sadismo que na verdade é culpa.
Eu estou nessa porque quero, verdade. Pelo sexo inédito, verdade. Por ele e pela palavra, porque no meio das suas oscilações você é o cara mais legal do mundo por dez minutos. E esses dez minutos me envolvem, frases feitas, suas pernas, seu pensamento rápido, me envolvem.
Eu gosto quando você me come de quatro, mas também gosto quando você me pega pela mão.
Mas não é sua obrigação lidar comigo. E não é meu desejo esse amor pesado e sádico. Que nem é mesmo meu.
Não se termina coisas que não começaram, coração. Não precisa ter fim, eu adoeço e me curo sozinha.  Antes que nascesse em mim eu matei, e você nem soube.

ESCUTA ISSO



Eu escrevo de cara para o verde. Janelas de vidro enormes, coloridas, e eu sento em frente a elas, a vista para o jardim. E dá vontade de chorar. Eu quase nunca tenho tempo para sentar e escrever sem ouvir o barulho ensurdecedor da rua que fica atrás do lugar que eu chamo de casa. Do lugar que eu nem sei mais se é a minha casa.
Talvez sejam os quase 30, talvez seja o retorno de saturno, talvez seja eu, sem nenhuma explicação esquisotérica e nem nada em que botar a culpa.
Talvez seja só a agonia que mora em mim, mas que me faz escrever.
Eu ando pela rua ouvindo Joni Mitchell. Durante muitos anos eu idealizei amores, eu queria que eles fossem de uma forma ou outra, desta vez não. Desta vez eu só queria alguém que ouvisse as mesmas músicas que eu. E estivesse disponível para sentar ao meu lado e escutá-las. Queria não ter medo de ligar o som de manhã e alguém reclamar que aquilo é esquisito.

CARTA À MÃE



Eu vejo a minha família. Tão hippie ainda, tão adulta, tão começando. Tocando violão num domingo tão calmo, tão bonito. E não entendo como pode me trazer tanta angústia. “A vida é feliz e triste, minha filha. O tempo todo.”
Porque segunda eu volto para o trabalho, voltamos. E esqueço de tudo. Do domingo, do violão, da minha mãe dançando na sala, levando minha irmã numa valsa. O copo que cai. Os copos sempre caem nos encontros da minha família.
Derrubamos copos, pratos, cinzeiros cheios. Bebemos, dançamos, e na segunda volta tudo ao normal, cada um em sua casa e, no meio, silêncio e contas. Nostalgia quentinha.
“Ser adulto é feliz e triste, minha filha. O tempo todo. E não pensa que é fácil entrar no carro e voltar para cá, onde não tem vocês. Onde não tem criança, neto, filhas adultas e com tantas questões. Mas eu gosto, eu abrigo, eu entendo, eu me culpo por cada uma das questões.

SOBRE (QUERER) SER LIVRE




Cena 1 – exterior – rua 
Você reaparece, mas é como se nunca tivesse existido.  Não este você, assim, me sorrindo como se eu fosse um sábado.
Cena 2 – interior – quarto
É tudo tão familiar. Sexo é como balé. Os movimentos coordenados – e eu conheço todos os seus. É lindo, confortável. E eu entendo tudo. Você apareceu de novo, mostrando quem eu sempre quis ver, só porque é confortável.
Porque você quer meu amor de mãe judia que também é puta. E tudo bem. Se não fosse confortável e injusto do mesmo tamanho.
Cena 3 – exterior – rua
Já é a quarta ou quinta vez que a gente se encontra. E agora você esbarra na minha mão, guarda minha mala no carro para que eu viaje e me pede para ligar quando eu chegar lá.
E você nunca pediu antes, em nenhuma das vezes que eu fui.

“LOVE WITHOUT FRICTION IS FICTION.”



Na semana passada ela questionou se eu não vivo isso para criar histórias.
Nomeei todos os meus amores. Apontei em que lugar do mundo cada um deles estava. Nenhum aqui ao lado. Hoje só dorme perto de mim esse livro inacabado e os quadros, que continuam apoiados no chão.
Ela disse que isso é escolha minha. Eu disse que na verdade é só um fraco por quem fala as coisas certas. Ela diz que é um fraco por quem fala o que eu quero ouvir.
Eu disse que o problema era você, que é só suposição, mas que sabe das palavras certas, e que conversa comigo feito quem batalha, não, melhor, como quem valsa. Eu vou, você vai. Todas as nossas palavras rimam, todas acabam com ponto final. Para recomeçar no meu caderno logo depois.
Ela questionou se eu não vivo isso só para criar histórias. O que eu chamo de autoficção, ela chama de autossabotagem.

3 PENSAMENTOS SOBRE O AMOR





Antes de você a vida era uma.
Agora eu não sei mais se eu quero que ela volte, ou que você volte.
Deixo ela decidir por mim.
Ela disse que eu devia fazer algo para acalmar meu coração.
Sugeriu yoga.
Respondi amor.
Na nossa história de amor natimorta, a melhor das hipóteses é você estar aí, eu estar aqui, e no meio de nós dois só existir saudade ao invés de outras pessoas.

DA DIFÍCIL ARTE DE VELAR UM AMOR




Enterrar um amor que não começou é uma das grandes crueldades da vida.
Enterrar antes de ele vir a ser. Antes de acabar, de se esgotar sozinho ou num domingo à tarde, antes do meio, antes que ele acabasse com a gente.
Antes de tudo que poderia ter sido.
Poucas coisas são tão cruéis como “aquilo que poderia ter sido”.
Velar a possibilidade tímida, mas tão presente. Ignorar o corpo do outro, o cheiro do outro, o peso do outro em cima do seu corpo. Eu não aprendi a fingir que o amor não existe. Não sei não atender a ligação do amor. Não responder. Não querer deitar na cama, pegar pela mão e andar pelo mundo.
Da crueldade de ter apenas memória boa do amor. De antes dele ser amor (porque você teve que enterrá-lo antes que ele começasse, é preciso lembrar disso), de só conseguir lembrar de um monte de sorrisos bestas, memórias compartilhadas, arrepios no meio do dia. Da crueldade de ter isso e de não ter mais.
Da crueldade de desapegar. De deixar ir até mesmo esse, que não poderia mesmo ser seu.
Principalmente esse.

2015



Esse ano eu vou ter um cachorro que vai se chamar Baleia.
Voltar a cozinhar só para sentir o gosto de coisas feitas por mim.
Pratos e livros em banho-maria. Entendendo o ponto certo de cozimento de cada um.
Esse ano eu vou colocar a rede na sala, e prender os quadros no lugar certo.
Eu vou ler o jornal todos os dias sem sair correndo.
Eu não saio mais correndo. Nem atrás de você.
Eu vou só caminhar na Lagoa.
Lembrar que o mar fica perto de casa.

DUAS PESSOAS PODEM SER COISAS DEMAIS



Tipo 1
E então é um padrão.
Você aparece, faz um strike no meu peito, acende alguma coisa que dorme (mesmo que seja a minha carência, minha falta de não sei o quê e que ainda precisa de muita análise para ser descoberta), entende que eu não sou pouco, que eu sou muitas coisas, coloca o rabo entre as pernas e some.
E eu que cuide dos cacos estilhaçados pelo chão.
E então eu pego o meu snorkel e volto à superfície, machucada, sem ar, mas eu sempre subo, e é geralmente nessa hora que quem está precisando é você.
E você volta.
E eu que abra a porta mais uma vez por já aprender a remendar os cacos.
Mas desta vez não.
Desta vez eu só quero algo que venha com a legitimidade de um encontro, com a paz e a constância dos que se amam e que se querem todos os dias.
Não só aos domingos à noite.

SOBRE A MINHA TEIMOSIA




Os quadros da casa estão tortos. Eu prometo que vou ajeitar no fim de semana da mesma forma que prometo que vou escrever todos os dias. Existe um padrão, eu sei, de deixar que as coisas passem até que um dia eu me dê conta de que os quadros continuam tortos, o livro ainda tem dez páginas e eu ainda não saí da cidade.
Eu iria se tivesse água e emprego em São Paulo, mesmo que você já não esteja lá.
Hoje de manhã comentei na terapia que eu tinha entendido nos últimos meses que algumas histórias são apenas histórias e não construções de algo maior. Ela disse que não, que essas histórias são importantes porque são construções de nós mesmos, e em partes eu concordo, porque sei que no final a gente talvez seja mesmo um conjunto das nossas memórias.
O que eu não entendo é essa vontade, que é quase um dom, de insistir em causos e sentimentos que acontecem apenas na minha cabeça, essa teimosia em amar, em não conseguir ignorar os encontros (ou nunca, em momento algum, subestimar os encontros).
Porque você sabe que a gente sempre sabe quando um encontro acontece. Eu sei. É quando tudo é completamente natural e íntimo, mesmo que você só conheça a pessoa há um dia. Foi assim, não foi? Esse reconhecimento inédito, essa vontade de estar junto que é natural por não ser uma necessidade, o encontro é o oposto da necessidade, da ansiedade, do coração que sai pela boca. O encontro é vontade calma de estar junto porque simplesmente já se sabe que vai estar. É uma certeza palpável.

sábado, 15 de agosto de 2015

TRECHO DO NOVO ROMANCE DE PAULA GICOVATE


Naqueles cinco dias em que ficamos juntos não fazíamos mais muitas coisas além de ficar na cama.
Passávamos horas falando sobre discos, tipos de comida, e inventávamos bandas e coisas que não existiam.
Em um desses dias eu criei uma máquina de café chamada “me expresso”, em que cada cápsula teria o nome e a especialidade de lidar com um sentimento diferente.
Teria o café ressaca, o café euforia, o café melancolia e o café saudade (que é do que eu preciso agora).
Não vimos nada da cidade. Mas eu também não fiquei chateada por isso porque eu tinha mesmo ido até lá para vê-lo, eu tinha trocado de país por apenas cinco dias porque meu corpo já sentia uma necessidade física de ficar junto do dele.
Eu já estava esquecendo o seu rosto e como ele se parecia, e sabia que só seria capaz de suportar mais um tempo enorme de distância e saudade se fosse até lá, se me abastecesse dele.
Munida de memórias novas e do cheiro dele impregnado nas minhas roupas, eu voltei para casa e agora estou aqui, no espaço confuso que existe entre a falta e o desejo.