sábado, 21 de novembro de 2015

"Não existem níveis seguros para o consumo destas substâncias"

Eu cheguei a acreditar que estava doente.

Um dia ela me perguntou: será que você não gosta dele porque ele gosta de você de volta? Ou porque ele quer te pegar pela mão, e dormir ao seu lado, e se encaixar nas suas coxas muito além de querer colocá-las na boca? Porque ele quer te beijar e te engolir, mas deixar sua alma a salvo.

 Esse que quer te deixar segura. Esse que te quer como você é.

A vida não precisa te deixar com o coração na boca junto com gosto amargo para ser interessante. A vida pode cheirar a pão na chapa com manteiga e a lençol de domingo e ser feliz ainda assim.

E depois de tanto tempo, eu comecei a entender que estava doente. E quis melhorar, e quando comecei a melhorar, dei todos os créditos a ele.

“Eu disse para todos os meus homens, que eles me faziam ser alguém melhor. Eu menti. Eu nunca fui uma pessoa melhor ao lado de ninguém, mas do lado dele eu sou. Para este eu falo a verdade”.

E ela disse que eu devia parar de depositar no outro a culpa pelo que eu fazia de errado e pelo que eu fazia de certo. Estava tudo bem sim, mas não era ele, era eu. E ele só chegou porque eu permiti que ele chegasse, porque eu quis conhece-lo.

Amor pra mim é acidente, é arroubo. Mas da última vez que me tiraram o ar eu demorei um tempo para aprender a respirar sozinha mais uma vez. Eu nunca mais mergulho sem um snorkel.

E se você me perguntar como é, eu te digo que não é fácil. É como abandonar uma droga, é como parar de fumar.

Durante muitos anos eu pensei em como seria abandonar o cigarro, esse troço que era tão parte de mim. Como as pessoas se sentiam? Era uma falta no meio do dia? Era físico? Era enlouquecedor? É. 
Tem um mês que eu não fumo. Tem dias que eu quero bater com a cabeça na parede, tem dias que eu nem sinto, tem dias que eu acho que esqueci alguma coisa em casa.

Deixar um padrão e uma forma dolorida de amar é assim. Você questiona, mete a cabeça na parede, sangra por dentro, e quer sair por ai acendendo todos os cigarros, queimando a cidade inteira. Mas um dia acalma.

Eu achei que estava doente. E foi bem ai que ele perguntou se eu queria ir embora daquela festa com ele.

Eu não fui.

No dia seguinte ele perguntou de novo.

Eu preferi continuar lá.

E um dia ele desistiu de pedir, mas me olhou com aqueles olhos de homem bom e disse que ao invés de me levar embora, preferia ficar ali comigo.

E ficou.

Meu homem bom às vezes me diz que algumas pessoas merecem morrer. 

Meu homem bom diz que não perdoa ninguém.

Meu homem bom não é assim tão bom, mas ele sabe que eu também não sou, e ainda ama o pior de mim.



sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Mais uma dose - é claro que eu tô a fim.

Só por hoje eu não te escrevo um poema, não enfio a mão direita embaixo da minha saia pensando em você, esqueço sua forma torta de lidar com o mundo – quando a verdade é que sua crueldade tem que ser lembrada feito alarme de incêndio na minha vida.
Só por hoje eu não fecho os olhos tateando no fundo da memória, que ainda mora na cama daquele quarto de hotel, a sua mão na minha coxa.
Só por hoje não lembro da sua voz no meu ouvido dizendo que cada vez é melhor foder comigo. Cada dia é melhor – e sorte a minha não virar a esquina e te encontrar por aqui.
Sorte a minha não te ter acessível toda vez que eu tivesse um rompante como o que estou tendo agora – tremendo feito viciado em recuperação desde que te deixei de lado para viver qualquer coisa que não fosse tóxica.
Você é droga, é a foda da minha vida, inédita, toda errada.
Nada de bom pode vir de você, nada de bom pode vir de nós dois juntos. Você é a potência do meu lado sombrio, minha insanidade, minha desgraça – e só de pensar em você eu escorro.
Anoto os doze passos, tomo um banho frio, desligo o som, jogo sua camiseta fora, respiro cachorrinho, saio de casa.
Só por hoje eu não te escrevo um poema. Com sorte, amanhã também não.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Os meus assédios.

Meu primeiro assédio aconteceu aos 8 anos com o porteiro do meu prédio. Por alguns dias, quando eu chegava da escola, ele me sentava no colo dele de forma estranha, ou me abraçava inclinando seu corpo para frente e para trás. Eu me sentia muito desconfortável e um dia contei para a minha mãe. Esse foi o meu primeiro assédio físico, e deixou bastante marcas. Mas não precisa ser físico para machucar para sempre.

Aos 20 e poucos anos eu sofri um outro tipo de abuso, quando um ex me chamou de gorda muitas vezes, e me fez acreditar que de fato eu era e que isso era uma coisa ruim. Em um ano eu ouvi quase que diariamente coisas como “quer trepar? Então perde essa pança” porque eu estava 8 quilos acima do meu peso e acreditei que era feia, chata e desinteressante. Ele fazia questão de me dizer que eu era menos. - Que ganhava menos que ele, que dependia dele emocionalmente e financeiramente, que não me virava sozinha, que não era magra, que tinha libido demais.  Mas ainda assim eu não ia trepar, “porque eu era gorda”.

 Passei a ter crises de pânico mais ou menos nessa época e procurei ajuda. No consultório eu contei em muitas seções para o médico sobre a minha dificuldade de emagrecer, sobre a quantidade de vezes que ele me chamava de gorda. Para me “acalmar”, o médico colocou as mãos na minha coxa e disse que o que fazíamos ali “era uma espécie de sexo, que era para eu acreditar que eu era bonita sim”. Ele era um psiquiatra.

 Não contei para o meu namorado o que tinha acontecido porque tive medo. Procurei outro médico, contei toda a história. O médico novo disse que o anterior deveria ser denunciado. Um mês depois me pediu uma foto nua para ver se “meu namorado tinha razão ou não”. Ele também era psiquiatra.

Um dia resolvi deixar os médicos e o cara. Quando eu resolvi ir embora, depois de uma conversa e alguns combinados burocráticos, o namorado disse que “depois de tudo o que ele tinha me falado, mesmo assim eu não tinha tido coragem para mandar ele tomar no cú”.  Bati a porta de casa e nem assim eu mandei. - porém nunca mais permiti que ninguém me tratasse desta forma. (e também tive muito medo quando descobri que eu podia ser amada com leveza e cuidado. E que os que viriam depois não necessariamente seriam como ele)

Eu sofro abuso quando sei que ganho bem menos do que os homens que exercem exatamente a mesma função que eu. Quando morro de medo de andar sozinha à noite, quando sei que um taxista está me dando uma volta as 3h da manhã, mas não posso reclamar de nada porque sou mulher e estou sozinha.

Eu sofro abuso quando alguém me pergunta “porque eu saí de casa usando uma roupa tão transparente. O que eu quero com isso?” e sofro abuso quando alguém questiona o fato de eu escrever sobre amor e ainda assim ser feminista. Como se uma coisa excluísse a outra.

Cada abuso, cada palavra escrota, cada humilhação, cada mão que passaram em mim, cada medo de andar na rua, cada injustiça salarial, cada duvida que já tiveram sobre o meu potencial me deixaram marcas

E ainda assim querem me tirar o direito de escolha, querem que eu morra se um dia engravidar e não quiser ter o filho, querem me enfiar goela abaixo um conceito de “tradição, família e propriedade” que não me desce, querem que eu pare de falar de direitos, que eu pare de questionar meu salário, que eu continue tendo medo, continue ouvindo atrocidades calada, que eu não use o que eu quero usar, vá para onde eu quiser ir, ou dê para quem eu queira dar.

Querem me tornar menos, quando eu demorei tanto para entender que eu podia ser mais.

Eu tinha 20 e (muito poucos) anos quando passei um ano inteiro ouvindo diariamente que eu era feia, que eu era menos, que eu não tinha força o suficiente para manda-lo tomar no cú.

Mas um dia eu mandei. E por isso nunca mais eu fico quieta.

Nenhuma de nós vai ficar.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Crise alérgica número 1.

Cuidado ao me manipular, eu posso reagir.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

O que você faz da vida.

-  O que você quer fazer da vida?
-  Ser cartógrafo das suas pintas.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Impermanências.




Estamos voando. Não tem teto para pousar e o piloto decidiu apenas continuar voando. 
O tal do estado de impermanência.
Não estou em um lugar e nem em outro. Estou no meio, e gosto. 
Quanto mais velha fico, mais me estranha a ideia de ter uma casa só. Não tenho muitas coisas, não tenho quase nada.
Aos 30 anos dizem que é preciso construir, mas eu só tenho uma cama, alguns livros e muitos desejos.
Eu deveria querer construir, mas eu não quero.
Ao meu lado o homem canta uma melodia descompassada. Morre de medo, coloca a mão na testa e agora grita. 
Não gosta de impermanências como eu. Deve ter construído alguma coisa e agora teme. Eu não construí nada além de palavras e por isso não tenho medo. 

Continuamos voando. 

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Bem mais do que a garota da banda

Finalmente saiu a edição brasileira de Girl in a Band, livro de memórias da Kim Gordon. O livro é lindo e importante para mostrar que baixista de banda foda é só uma das mil outras coisas incríveis que a Kim é.

Escrevi sobre o livro em junho para o site da revista TPM, antes da tradução sair. 

O link está aqui



sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Mesmo que acabe

De vez em quando eu penso em como você era antes que eu chegasse. Fiquei vendo uma foto sua hoje de manhã, para ver se alguma coisa no seu rosto demonstrava a possibilidade de um encontro, como se alguma coisa naquele lugar já desse uma pista de você na minha cama alguns dias depois.
O que acontece quando existe um encontro? Como é esse dia? Você acorda e vai para a vida como se estivesse tudo bem, sem saber que na verdade acontecerá logo depois alguma coisa de extraordinário?
Encontrar você foi desses buracos no tempo, alguma coisa de extraordinário.
Você acaba de bater a porta, sai da minha casa com meu cheiro enquanto eu tomo café imaginando como vai ser o seu dia.
Como passar incólume por  um encontro?
Como passar sem medo por qualquer início?
Nada é mais invencível do que o início.
E encontros, mesmo que acabem, não deixam ninguém à salvo.
Ninguém sai ileso.
Você acabou de sair da minha casa e eu já sei que alguma coisa na minha vida nunca mais vai ser igual.
Mesmo que acabe.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

If I could settle down, than I would settle down.


quinta-feira, 20 de agosto de 2015

AQUELE QUE NÃO ERA O SEU



Talvez vocês tenham se conhecido na festa de um amigo em comum. Talvez você não quisesse ter ido – porque o amor só chega quando estamos distraídos – mas acabou indo mesmo assim.
Se maquiou no carro? Colocou uma roupa qualquer? Ou não, talvez leve essa questão de figurino a sério e chegou lá bem.
Talvez ele estivesse fazendo um drink na cozinha, talvez estivesse colocando o som. O que importa é que vocês se viram, e ele se apaixonou de cara, clichê, perdidamente, pela sua cara de boa moça e sua camiseta de rock star.
Talvez ele tenha insistido para te ver uns dias depois da festa, ou talvez vocês tenham ficado na mesma noite. Mas ficaram, e os dias foram correndo, e vocês estavam apaixonados.
Talvez você morasse sozinha, e depois de muitos meses dormindo todos os dias na sua casa ele resolveu ficar de vez. Talvez você morasse com seus pais ou com uma amiga, e depois de muito tempo sem sair da casa dele decidiu ficar. Mas moraram juntos. E passaram domingos de manhã comprando flores na feira, discos em lojas e quadros naquela viagem para Nova York (ou Londres, não sei), e o tempo passou assim, com música de manhã e sexo à noite. Dançando. Como tem que ser.

ESTUDO SOBRE O TEMPO

 imagem: Berta Vicente Salas – flickr.com//b-erta


Eu demorei 12 anos para agradecer a mim mesma por não ter feito as tatuagens que eu queria ter feito aos 16.
Uma garrafa de vinho para escrever este texto.
5 anos para trabalhar no que eu realmente queria.
17 para acender o primeiro cigarro.
12 para entender que eu precisava parar.
40 minutos para chegar ao centro da cidade.
9 horas para conhecer um país.
10 anos para escrever a primeira carta de amor.
1 ano e meio para escrever um romance.
24 horas para viver um.

RETORNO DE SATURNO




Sábado de manhã
Eu crio narrativas, acredito na minha própria ficção. Acredito em você durante dois minutos, até você me mostrar seu sadismo que na verdade é culpa.
Eu estou nessa porque quero, verdade. Pelo sexo inédito, verdade. Por ele e pela palavra, porque no meio das suas oscilações você é o cara mais legal do mundo por dez minutos. E esses dez minutos me envolvem, frases feitas, suas pernas, seu pensamento rápido, me envolvem.
Eu gosto quando você me come de quatro, mas também gosto quando você me pega pela mão.
Mas não é sua obrigação lidar comigo. E não é meu desejo esse amor pesado e sádico. Que nem é mesmo meu.
Não se termina coisas que não começaram, coração. Não precisa ter fim, eu adoeço e me curo sozinha.  Antes que nascesse em mim eu matei, e você nem soube.

ESCUTA ISSO



Eu escrevo de cara para o verde. Janelas de vidro enormes, coloridas, e eu sento em frente a elas, a vista para o jardim. E dá vontade de chorar. Eu quase nunca tenho tempo para sentar e escrever sem ouvir o barulho ensurdecedor da rua que fica atrás do lugar que eu chamo de casa. Do lugar que eu nem sei mais se é a minha casa.
Talvez sejam os quase 30, talvez seja o retorno de saturno, talvez seja eu, sem nenhuma explicação esquisotérica e nem nada em que botar a culpa.
Talvez seja só a agonia que mora em mim, mas que me faz escrever.
Eu ando pela rua ouvindo Joni Mitchell. Durante muitos anos eu idealizei amores, eu queria que eles fossem de uma forma ou outra, desta vez não. Desta vez eu só queria alguém que ouvisse as mesmas músicas que eu. E estivesse disponível para sentar ao meu lado e escutá-las. Queria não ter medo de ligar o som de manhã e alguém reclamar que aquilo é esquisito.

CARTA À MÃE



Eu vejo a minha família. Tão hippie ainda, tão adulta, tão começando. Tocando violão num domingo tão calmo, tão bonito. E não entendo como pode me trazer tanta angústia. “A vida é feliz e triste, minha filha. O tempo todo.”
Porque segunda eu volto para o trabalho, voltamos. E esqueço de tudo. Do domingo, do violão, da minha mãe dançando na sala, levando minha irmã numa valsa. O copo que cai. Os copos sempre caem nos encontros da minha família.
Derrubamos copos, pratos, cinzeiros cheios. Bebemos, dançamos, e na segunda volta tudo ao normal, cada um em sua casa e, no meio, silêncio e contas. Nostalgia quentinha.
“Ser adulto é feliz e triste, minha filha. O tempo todo. E não pensa que é fácil entrar no carro e voltar para cá, onde não tem vocês. Onde não tem criança, neto, filhas adultas e com tantas questões. Mas eu gosto, eu abrigo, eu entendo, eu me culpo por cada uma das questões.

SOBRE (QUERER) SER LIVRE




Cena 1 – exterior – rua 
Você reaparece, mas é como se nunca tivesse existido.  Não este você, assim, me sorrindo como se eu fosse um sábado.
Cena 2 – interior – quarto
É tudo tão familiar. Sexo é como balé. Os movimentos coordenados – e eu conheço todos os seus. É lindo, confortável. E eu entendo tudo. Você apareceu de novo, mostrando quem eu sempre quis ver, só porque é confortável.
Porque você quer meu amor de mãe judia que também é puta. E tudo bem. Se não fosse confortável e injusto do mesmo tamanho.
Cena 3 – exterior – rua
Já é a quarta ou quinta vez que a gente se encontra. E agora você esbarra na minha mão, guarda minha mala no carro para que eu viaje e me pede para ligar quando eu chegar lá.
E você nunca pediu antes, em nenhuma das vezes que eu fui.

“LOVE WITHOUT FRICTION IS FICTION.”



Na semana passada ela questionou se eu não vivo isso para criar histórias.
Nomeei todos os meus amores. Apontei em que lugar do mundo cada um deles estava. Nenhum aqui ao lado. Hoje só dorme perto de mim esse livro inacabado e os quadros, que continuam apoiados no chão.
Ela disse que isso é escolha minha. Eu disse que na verdade é só um fraco por quem fala as coisas certas. Ela diz que é um fraco por quem fala o que eu quero ouvir.
Eu disse que o problema era você, que é só suposição, mas que sabe das palavras certas, e que conversa comigo feito quem batalha, não, melhor, como quem valsa. Eu vou, você vai. Todas as nossas palavras rimam, todas acabam com ponto final. Para recomeçar no meu caderno logo depois.
Ela questionou se eu não vivo isso só para criar histórias. O que eu chamo de autoficção, ela chama de autossabotagem.

3 PENSAMENTOS SOBRE O AMOR





Antes de você a vida era uma.
Agora eu não sei mais se eu quero que ela volte, ou que você volte.
Deixo ela decidir por mim.
Ela disse que eu devia fazer algo para acalmar meu coração.
Sugeriu yoga.
Respondi amor.
Na nossa história de amor natimorta, a melhor das hipóteses é você estar aí, eu estar aqui, e no meio de nós dois só existir saudade ao invés de outras pessoas.

DA DIFÍCIL ARTE DE VELAR UM AMOR




Enterrar um amor que não começou é uma das grandes crueldades da vida.
Enterrar antes de ele vir a ser. Antes de acabar, de se esgotar sozinho ou num domingo à tarde, antes do meio, antes que ele acabasse com a gente.
Antes de tudo que poderia ter sido.
Poucas coisas são tão cruéis como “aquilo que poderia ter sido”.
Velar a possibilidade tímida, mas tão presente. Ignorar o corpo do outro, o cheiro do outro, o peso do outro em cima do seu corpo. Eu não aprendi a fingir que o amor não existe. Não sei não atender a ligação do amor. Não responder. Não querer deitar na cama, pegar pela mão e andar pelo mundo.
Da crueldade de ter apenas memória boa do amor. De antes dele ser amor (porque você teve que enterrá-lo antes que ele começasse, é preciso lembrar disso), de só conseguir lembrar de um monte de sorrisos bestas, memórias compartilhadas, arrepios no meio do dia. Da crueldade de ter isso e de não ter mais.
Da crueldade de desapegar. De deixar ir até mesmo esse, que não poderia mesmo ser seu.
Principalmente esse.

2015



Esse ano eu vou ter um cachorro que vai se chamar Baleia.
Voltar a cozinhar só para sentir o gosto de coisas feitas por mim.
Pratos e livros em banho-maria. Entendendo o ponto certo de cozimento de cada um.
Esse ano eu vou colocar a rede na sala, e prender os quadros no lugar certo.
Eu vou ler o jornal todos os dias sem sair correndo.
Eu não saio mais correndo. Nem atrás de você.
Eu vou só caminhar na Lagoa.
Lembrar que o mar fica perto de casa.

DUAS PESSOAS PODEM SER COISAS DEMAIS



Tipo 1
E então é um padrão.
Você aparece, faz um strike no meu peito, acende alguma coisa que dorme (mesmo que seja a minha carência, minha falta de não sei o quê e que ainda precisa de muita análise para ser descoberta), entende que eu não sou pouco, que eu sou muitas coisas, coloca o rabo entre as pernas e some.
E eu que cuide dos cacos estilhaçados pelo chão.
E então eu pego o meu snorkel e volto à superfície, machucada, sem ar, mas eu sempre subo, e é geralmente nessa hora que quem está precisando é você.
E você volta.
E eu que abra a porta mais uma vez por já aprender a remendar os cacos.
Mas desta vez não.
Desta vez eu só quero algo que venha com a legitimidade de um encontro, com a paz e a constância dos que se amam e que se querem todos os dias.
Não só aos domingos à noite.

SOBRE A MINHA TEIMOSIA




Os quadros da casa estão tortos. Eu prometo que vou ajeitar no fim de semana da mesma forma que prometo que vou escrever todos os dias. Existe um padrão, eu sei, de deixar que as coisas passem até que um dia eu me dê conta de que os quadros continuam tortos, o livro ainda tem dez páginas e eu ainda não saí da cidade.
Eu iria se tivesse água e emprego em São Paulo, mesmo que você já não esteja lá.
Hoje de manhã comentei na terapia que eu tinha entendido nos últimos meses que algumas histórias são apenas histórias e não construções de algo maior. Ela disse que não, que essas histórias são importantes porque são construções de nós mesmos, e em partes eu concordo, porque sei que no final a gente talvez seja mesmo um conjunto das nossas memórias.
O que eu não entendo é essa vontade, que é quase um dom, de insistir em causos e sentimentos que acontecem apenas na minha cabeça, essa teimosia em amar, em não conseguir ignorar os encontros (ou nunca, em momento algum, subestimar os encontros).
Porque você sabe que a gente sempre sabe quando um encontro acontece. Eu sei. É quando tudo é completamente natural e íntimo, mesmo que você só conheça a pessoa há um dia. Foi assim, não foi? Esse reconhecimento inédito, essa vontade de estar junto que é natural por não ser uma necessidade, o encontro é o oposto da necessidade, da ansiedade, do coração que sai pela boca. O encontro é vontade calma de estar junto porque simplesmente já se sabe que vai estar. É uma certeza palpável.

sábado, 15 de agosto de 2015

TRECHO DO NOVO ROMANCE DE PAULA GICOVATE


Naqueles cinco dias em que ficamos juntos não fazíamos mais muitas coisas além de ficar na cama.
Passávamos horas falando sobre discos, tipos de comida, e inventávamos bandas e coisas que não existiam.
Em um desses dias eu criei uma máquina de café chamada “me expresso”, em que cada cápsula teria o nome e a especialidade de lidar com um sentimento diferente.
Teria o café ressaca, o café euforia, o café melancolia e o café saudade (que é do que eu preciso agora).
Não vimos nada da cidade. Mas eu também não fiquei chateada por isso porque eu tinha mesmo ido até lá para vê-lo, eu tinha trocado de país por apenas cinco dias porque meu corpo já sentia uma necessidade física de ficar junto do dele.
Eu já estava esquecendo o seu rosto e como ele se parecia, e sabia que só seria capaz de suportar mais um tempo enorme de distância e saudade se fosse até lá, se me abastecesse dele.
Munida de memórias novas e do cheiro dele impregnado nas minhas roupas, eu voltei para casa e agora estou aqui, no espaço confuso que existe entre a falta e o desejo.